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Gem, um Jeito Novo de Vi-VER!
Americano de nascimento, brasileiro de coração.
 

Meu nome é Gem, tenho 4 anos e antes que vocês me classifiquem como um simples cachorro, vou logo avisando: sou muito mais que isso. Nasci em Smithtown, no estado de Nova York. Foi lá que comecei a ser treinado para o trabalho que vim exercer aqui no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro. Não virei cão guia por acaso.
Sou um Labrador e minha raça é uma das que se adapta melhor a esse trabalho. Sou um cão guia de cegos, mas não de qualquer cego. A Ethel e eu passamos vinte e três dias juntos, lá na minha terra para que eu pudesse guiá-la tranqüilamente pelas ruas do Rio. Tranqüilidade foi tudo o que eu não encontrei nesta cidade, mas é melhor falar dos problemas depois.


Foto
Gem filhote na casa da família hospedeira - 1996


Nasci na Guide Dog Foundation for the Blind em Smithtown, N.Y. Andy e Gloria Coutu "sponsor" meus padrinhos, bancaram minha formação e escolheram meu nome. Com dois meses de idade, fui para a casa de uma família voluntária, Jim e Dale Bente, "puppy walkers" como são chamadas, carinhosamente,  as famílias hospedeiras,  que me ensinaram a ser um cachorro bem educado que não cometesse gafes em sociedade. Durante 8 meses, conheci muitos lugares, viagei com minha família de carro,  trem, ônibus e até de avião. Fui à escola com meus irmãozinhos e gostava de nadar com meu pai. Eles me diziam que eu tinha que conhecer todos os lugares porque eu sería um "trabalhador" e teria que ajudar a uma pessoa cega, por isso, tinha que aprender tudo direitinho.

Ao completar um ano voltei para a fundação onde fui treinado para ser um guia, recebendo meu diploma com um ano e quatro meses.  Foi então que conheci a Ethel. Ethel chegou na fundação no dia 13 de outubro de 1997. Nos 2 primeiros dias ela só caminhava com o Mike, meu adestrador que depois que a Ethel chegou, passou a ser nosso instrutor. Ele estava avaliando o jeito dela ser, a maneira de caminhar, seus hábitos e preferências. Afinal de contas, ele precisava encontrar o par perfeito para mim. Foi legal! Mike acertou! Foi amor ao primeiro toque! Finalmente, no terceiro dia, Ethel e eu nos conhecemos. Mike abriu a porta do quarto dela e me mandou entrar. Quando entrei, ela estava sentada na cama e parecia estar com medo de mim. Dei uma voltinha pelo quarto, dando um tempo para ela relaxar. Fui chegando devagarzinho e lentamente coloquei meu focinho no colo dela, aí, ela se derreteu, me abraçou e emocionada,  começou a conversar comigo em inglês e me disse que já estava me amando muito. Chorando ela disse que estava com pena de me tirar do meu país, de me separar de meus amigos e familiares mas garantia que eu ia gostar muito do Brasil e que todos me amariam muito, principalmente ela. e Em seguida mudou o idioma e não entendi mais nada... Assim começou nossa história e nosso treinamento.

Acordávamos às seis, ela me alimentava, me levava para o "busy-busy" (banheiro), e às oito e meia, junto com os outros nove alunos com seus cachorros e 2 instrutores, saíamos para nossas caminhadas. Dia-a-dia as dificuldades aumentavam. Depois do jantar, tínhamos que aturar aulas teóricas onde ela aprendia a cuidar de minha saúde e higiene. Aliás, ela é exagerada nisso, vive me escovando e limpando minhas orelhas, meus dentes, minha boca ...
 

Foto do perfil de Gem em close


Não conheço outra vida que não seja treino e trabalho. Mas também descanso de vez em quando, porque ninguém é de ferro. Quando a Ethel fica em casa, aproveito para relaxar ouvindo uma musiquinha clássica ou vendo TV. O fim do dia de trabalho é o meu momento predileto, pego meus brinquedos, chamo a Ethel pra brincar e abuso das brincadeiras, como qualquer cão. Aliás, meus treinadores não podem saber disso, tá legal? é que, de acordo com o treinamento que recebi, não poderia ter quase nenhum tipo de regalia em casa. Ainda bem que a Ethel usou o típico jeitinho brasileiro para me dar uma cama e muito conforto. Se dependesse da orientação de quem me treinou, teria de ficar preso numa coleirinha em casa e me contentar com o chão duro mesmo. Toda essa moleza, porém, só dura até a Ethel resolver sair. Aí começa
tudo de novo. Ainda bem, porque eu adoro trabalhar na rua! Posso dizer que aqui no Rio meu trabalho é dobrado. Nunca vi tantos obstáculos nas calçadas e ruas como aqui. Quando não são os buracos, são os tais "fradinhos", uns postes pequenos que não iluminam nada e ficam no meio da calçada. Ainda não entendi direito, mas parece que esses fradinhos servem para impedir que as pessoas estacionem os carros nas calçadas. Engraçado, achava que bastava proibir e multar quem fizesse isso, e não ficar enchendo meu caminho de obstáculos. Ficar desviando de tudo isso não é brincadeira. Isso sem contar com os tais orelhões que são fininhos em baixo e ENORMES lá em cima, dizem que é um telefone, mas onde já se viu falar no telefone no meio de tanto barulho? Desviar de um postinho é moleza, agora desviar de um poste disfarçado são outros 500... Confesso que durante o meu treinamento não passei por tantas dificuldades. Sem querer falar mal da cidade de vocês, só digo que na minha terra as pessoas com deficiência  visual são tratadas com mais respeito, e meus colegas não têm tanto trabalho para guiar seus donos. O pior é que todos esses buracos e fradinhos não são os únicos problemas que eu enfrento. De vez em quando aparece alguém e nos impede de entrar em algum lugar. Não sei, não, mas acho que, quando
acontece isso, tem alguma coisa a ver comigo. A cena é sempre a mesma: a Ethel fica lá, falando, falando  e mostrando uns papéis para a pessoa que não quer deixar ela entrar, enquanto eu fico sentado, esperando o que vai acontecer. Antigamente a gente quase nunca entrava nos lugares onde acontecia essa cena. De uns tempos pra cá, parece que a situação mudou um pouco. Acho que os papéis da Ethel passaram a servir para alguma coisa. Tanto passaram a servir que até a concerto de música
eu já assisti, e no tal Teatro Municipal, considerado o mais importante da cidade.
 

Foto Ethel posando em pé com Gem


A primeira vez que fomos lá foi aquela cena de sempre, tivemos de voltar sem ouvir uma nota sequer da orquestra sinfonica brasileira. Não sei muito bem o que aconteceu depois e quais papéis novos que ela conseguiu, só sei que na segunda vez em que fomos ao teatro, foi uma festa. Tinha câmera de televisão e máquina fotográfica para tudo quanto é lado. Um monte de pessoas querendo falar com a Ethel e tirar nosso retrato. VIREI UMA ESTRELA!!! Imagine só os meus colegas vendo isso, hein? Na minha terra não tem disso não. Ninguém fica perdendo tempo em tirar foto ou filmar cachorros que guiam cegos, uma coisa tão comum por lá. Pelo menos pude assistir ao concerto sossegado, se bem que muita gente não parava de olhar pra mim. Sei lá, mas me deu a impressão que estavam esperando eu latir. Onde já se viu? Latir no meio de um concerto, ouvindo a nona de Bethoveen. O que essa gente estava pensando?
Bom, já falei demais e vou ficando por aqui. Apesar de tudo, não tenho muito do que reclamar da minha vida com a Ethel. Ela é uma pessoa legal que gosta muito de mim, gosto muito dela também. Só espero que os obstáculos que hoje dificultam meu trabalho diminuam nos próximos anos. Depois disso, quando já estiver velhinho e cansado lá pelos meus dez, doze anos, vou pedir minha aposentadoria porque, como já disse, ninguém é de ferro. O que me deixa feliz é perceber que tenho ajudado a Ethel a ser mais independente. Sempre que ela precisa sair, estou pronto para ir com ela.  O melhor da história é que ela deu aquele jeitinho novamente e conseguiu uma autorização para eu me aposentar aqui, no Rio, bem juntinho dela. Não sei como seria se ela não tivesse conseguido essa autorização, eu já a ouvi dizendo:
 "Na companhia de Gem, um belo labrador amarelo, enfrento com mais tranqüilidade e segurança, não só meus medos, mas a própria cegueira, vencendo barreiras físicas e emocionais antes intransponíveis. Mais do que um guia, tenho em Gem um companheiro, um grande amigo, quase um "filho". Entre nós existe uma sintonia perfeita.
Ele e eu somos um todo e como um todo, indivisível."


 Gem - Cão Guia Por Ethel Rosenfeld
 Escrito em 2000 Atualizado em 2009

Observação: Esse texto foi escrito para dar vida a um vídeo onde Gem conta sua história, através de uma edição das muitas matérias que foram veiculadas nas TVs, já no Brasil.

Gem morreu em 30 de dezembro de 2008, com doze anos e oito meses, deixando uma saudade doce, meio amarga que alimenta meu coração. Gem deixou um grande legado à Nação Brasileira, com Gem o Brasil começa a conhecer o relevante trabalho do Cão Guia e, definitivamente é implantada em nosso país a cultura sobre esses maravilhosos, iluminados seres de quatro patas, que emprestam seus olhos e doam seus corações com humildade e submissão.
 

Ethel Rosenfeld

Foto
Árvore da Felicidade Gem - janeiro 2009


Textos sobre Gem

- Gem, um Jeito Novo de Vi-VER!
 
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- Uma eleição para escolher o cão mais corajoso do Brasil.
- Um herói brasileiro - 2003: Gem, o cão labrador.


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Textos sobre cães de assistência

- Só falta a carteira assinada 
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- Assessoria a deficiente. Liberdade reconquistada.
- Sinalizando o invisível. Epilepsia com segurança.
- Guia de cego. Superando a escuridão.

 

 
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