Ethel | Meus trabalhos | Consultoria |
Pessoa com Deficiência | Homenagens | Legislação |
Cão Guia | Cizar | As Gatinhas |
Outros Autores | Personalidades | Tecnologia Assistiva |
Links | Contato | Mapa do Site |
Home |
|
CONVIVENDO
Desde sempre compreendi que:
"O CONVÍVIO HUMANO É MAIS IMPORTANTE DO QUE O PRÓPRIO VIVER!"
Essa compreensão nasceu do amor, da amizade e do
respeito, sentimentos presentes em cada momento do dia-a-dia de nossa
família. Lembro com carinho e saudade de uma cena gostosa: sempre depois
do jantar, meus irmãos e eu, juntos com papai e mamãe, deitávamos na
cama deles, atravessados, uns por cima dos outros e, de repente, papai
abria o velho cofre de ferro e nos oferecia chocolates e bombons
maravilhosos. Aquele cofre mágico vivia repleto de chocolates e
charutos, pois o "Careca", o Boris, como era chamado aqui no Brasil,
gostava muito de seu charutinho, legítimo "havaiano".
Nossa casa era uma casa simples, sem luxo, sempre muito concorrida por
familiares e amigos. Nunca éramos apenas cinco à mesa. Parentes e amigos
sempre compartilhavam das delícias que mamãe e vovó preparavam.
QUEBRA DA ROTINA FAMILIAR - VIDA NOVA
16 de junho de 1959 - Vovó Amália, mãe da minha mãe, morre deixando uma
das cabeceiras de nossa mesa vazia. Sua ausência confunde meu coração,
começo a entender o que é "saudade". Minha primeira grande perda.
Primeiro de julho de 1959, fui internada, com fortes dores de cabeça e
suspeita de tumor cerebral. Após punção para retirada do pseudotumor
(tumor líquido), tive complicações neurológicas, perdendo os movimentos,
sensibilidade tátil e térmica, equilíbrio e a visão. Durante 1 (um) ano
e meio, fui submetida a um grande bombardeio: tratamentos, reabilitação,
novos aprendizados, incluindo o Sistema Braille. Após esse período,
graças a DEUS, fiquei apenas com o nervo óptico danificado, sem visão em
ambos os olhos.
Cegueira, minha segunda grande perda, lembrando que vovó Amália foi a
primeira.
Com o apoio irrestrito da familia e de meus amigos da rua onde
morávamos, Rua Senador Eusébio, no Flamengo, aqui destacando minha
sempre Amiga Teresinha, junto com ela, de passo em passo voltei a ter
uma vida como qualquer jovem de minha idade.
Isaac (meu irmão), Teresinha e Diana, outra amiga muito querida,
ajudaram em minha reintegração à vida social, ao lazer, incentivando-me
e acompanhando-me ao cinema, teatro, praia, festinhas ... Foi com Diana
que fui pela primeira vez, depois de cega, ao cinema, assistimos "Poliana".
O apoio irrestrito que recebi me fortaleceu fazendo com que eu
acreditasse em mim e nas demais pessoas. Assim, nasceu em mim essa
vontade de continuar vivendo e de doar, de compartilhar tudo que eu
recebia, com meus novos amigos, com deficiência visual.
Nessa época, já com 17 anos, quando sobia a escadaria interna do
instituto, indo para sala de aula, tive um sentimento e jurei, para mim
mesma, que dedicaria minha vida em pról das vidas das pessoas com
deficiência visual (cegas ou de baixa visão). Assim comecei a caminhar
nessa estrada sem fim.
DEPOIMENTO, ESCOLA INCLUSIVA E AVALIAÇÃO: ORAL OU
ESCRITA???
Como já disse, fiquei cega aos 13 anos. Depois de um longo período de
reabilitação, concluí meu ginásio, hoje ensino fundamental, no Instituto
Benjamin Constant, IBC, escola especializada para pessoas com
deficiência visual.
Ao concluir meus estudos no IBC, matriculei-me num curso preparatório
para a Escola Normal, do Instituto de Educação, assim eram chamadas as
escolas de formação de professores primários. Quando soube que o
Instituto de Educação não aceitava alunos com qualquer tipo de
deficiência, enfrentei minha primeira grande decepção e frustração,
abandonando meu ideal, saindo do curso. Naquela época eu ainda não sabia
brigar por meus direitos. Tanto eu quanto meus pais, ainda estávamos
muito fragilizados e magoados com a minha nova condição de pessoa com
deficiência. Mas era preciso ir em frente, recuperar os anos de estudos
perdidos com a doença, tratamento e reabilitação.
O Artigo 99, hoje chamado Estudo Supletivo, talvez fosse a solução.
Inscrevi-me no Colégio Pedro II, onde eram realizadas as provas do
artigo 99, para obter o certificado do segundo grau. Estudei em casa,
com professores particulares para todas as matérias. Semanas antes das
provas, consultei o Colégio quanto à possibilidade de ter provas
transcritas em braille e com surpresa ouvi a seguinte pergunta: "Você
não sabe português?" Eles confundiram Braille com hebraico...
Para encurtar a história, me foi oferecida a "chance" de fazer todas as
provas orais, inclusive as de português e espanhol. Como avaliaram a
ortografia e redação? Até hoje, não encontrei a resposta. Como não
qpoderia deixar de ser, com esse tipo de avaliação, tirei excelentes
notas, deixando meus pais muito orgulhosos da filha cega que demonstrava
inteligência e capacidade apesar da cegueira... Mas eu não fiquei feliz.
No fundo, tinha consciência de que fôra superprotegida, na realidade,
excluída, pela ignorância do colégio.
Depois dessa frustração, que apesar de frustração me ajudou a chegar na
universidade, também passei por uns momentos bem difíceis no primeiro
ano de estudo na faculdade de letras, português e inglês, que resultou
numa grande lição de vida. Esse relato segue abaixo.
ler novamente |