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Politicamente correto De: Gilberto Henrique
Buchmann [mailto:gihb@uol.com.br]
É impressionante o tempo que se perde tentando encontrar formas
politicamente corretas de expressar conceitos que poderiam ser definidos
com
facilidade pormeio de uma ou de duas palavras. Nos eventos relacionados
com
os cegos, por exemplo, invariavelmente há no ar um sentimento de dúvida
sobre a maneira correta pela qual alguém de visão normal deve dirigir-se
ou
referir-se a nós, sem falar que por vezes este assunto se torna alvo de
discussão, havendo perda inútil e injustificável de um precioso tempo, que
poderia ser muito melhor aproveitado se utilizado em discussões
efetivamente
produtivas, objetivando de fato resolver problemas.
No princípio, usava-se com naturalidade a palavra "cego" (como faz até
hoje
grande parte dos povos dos países desenvolvidos, pelo menos nos de língua
inglesa e alemã), que não tem nenhum cunho ofensivo, pois cego, em sua
forma
substantiva, é definido nos dicionários como sendo "um indivíduo que não
enxerga", ou conceitos equivalentes. Mais tarde, alguém achou que, em vez
de
"cego", deveria ser usada a expressão "deficiente visual". Mas então
entrou-se numa importantíssima polêmica, segundo a qual era preciso
distinguir entre cego (que não tem nenhum resíduo de visão) e deficiente
visual (que tem visão parcial).
Havia-se chegado a uma definição perfeita, pois tanto cego quanto
deficiente
visual caracterizam de forma absolutamente satisfatória alguém que não
enxerga. Mas houve os que acharam que em ambas as expressões havia
discriminação, pois se privilegiava a deficiência em detrimento do ser
humano, surgindo daí a expressão "pessoa portadora de deficiência".
Este é, a meu ver, o limite, além do qual não se pode ir sem fazer papel
ridículo. Mas o limite foi ultrapassado, porque alguém achou que não se
poderia usar o termo "deficiente" em relação a alguém que tem uma
incapacidade física, sensorial ou motora. Adotou-se, então, a expressão
"pessoa portadora de necessidades especiais", que considero imbecil e que
me
recuso peremptoriamente a usar.
Até aqui, nada demais, pois tudo o que foi dito é de domínio público.
Contudo, arrisco-me a dizer que a questão não pára por aqui, já que
provavelmente o próximo passo será ampliar o termo anteriormente
mencionado
para "pessoa portadora de necessidades especiais no campo visual" ou
"pessoa
portadora de necessidades especiais no campo auditivo", ao que se seguirá
um
acirrado debate acerca da conveniência da palavra "campo", que talvez
pudesse ser substituída com mais propriedade por "área" ou por "âmbito".
Encerrada esta questão, qualquer que seja a palavra vencedora, virá a
etapa
seguinte, com a inevitável ampliação do conceito, sob pena de aquele então
em vigor conter algum elemento ofensivo ou discriminatório. Poder-se-á,
então, chegar a um conceito como
"pessoa portadora de necessidades especiais relativas a dificuldades
advindas de circunstâncias geradoras de comprometimento parcial ou total
da
região cerebral responsável pelo funcionamento do sentido da visão".
Uma definição como esta poderá durar algum tempo, até que alguém resolva
desengavetar o problema e propor outra, ainda mais completa. Diante disso,
gostaria de dar minha contribuição, sugerindo como ideal, pelo menos por
ora, para definir uma pessoa que não enxerga, a expressão
"pessoa portadora de características anatômico-sensoriais cujas
conseqüências resultantes são necessidades especiais relativas a
dificuldades intrinsecamente relacionadas a circunstâncias geradoras de
fatores potencialmente capazes de acarretar comprometimento parcial ou
total
da região cerebral responsável pela manutenção das condições
imprescindíveis
à ocorrência dos processos físico-químicos envolvidos no conjunto de
mecanismos de cunho orgânico que têm por finalidade regular o
funcionamento
do sentido da visão".
O que quero dizer com tudo isso é que está mais do que na hora de parar de
discutir o sexo dos anjos e que devemos voltar nossa atenção para
problemas
realmente relevantes, coisas que venham de fato a melhorar nossas vidas.
Não
são expressões mais complexas ou politicamente corretas que farão a
diferença. Para evitar a palavra "cego", chegou-se ao absurdo de inventar
termos novos, que sequer existem em nossa língua, como "invidente" e
"invisual".
Por fim, há uma incoerência a destacar: se a palavra cego é tão ruim, por
que ela continua presente nos nomes das entidades que nos representam? Por
que a União Brasileira de Cegos, por exemplo, não passa a se chamar União
Brasileira de Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais no Campo da
Visão?
Como disse acima, acho que "deficiente visual" é a melhor definição que já
se conseguiu, e que só há discriminação nela para quem quiser que haja.
Não
percamos mais tempo com essas questiúnculas, quando há tanto a fazer!
Assumamos, pois, que somos cegos ou deficientes visuais. Afinal, temos uma
incapacidade sensorial e tentar negar isso é uma forma de discriminação
contra nós próprios. |
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