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Surdez-cegueira Não há barreiras que o ser humano
não possa transpor. (Helen Keller)
Definição
Os delegados de 30 países, muitos deles surdos-cegos, reunidos no dia 16
de setembro de 1977, em Nova York, na I Conferência Mundial Helen Keller
sobre serviços para os surdos- cegos jovens e adultos, adotaram por
unanimidade a seguinte definição de pessoa surda-cega: Indivíduos
surdos-cegos devem ser definidos como aqueles que têm uma perda
substancial de visão e audição de tal forma que a combinação das duas
deficiências cause extrema dificuldade na conquista de metas educacionais,
vocacionais, de lazer e sociais.
Assim, considerando que a pessoa com uma perda substancial da visão ou da
audição pode, todavia, ouvir ou ver, mas a pessoa com uma perda
substancial dos dois canais sensoriais, visão e audição, experimenta uma
combinação de privação de sentidos que pode causar imensas dificuldades,
fica claro que a surdez-cegueira não é uma simples soma das duas
deficiências, mas sim uma forma de deficiência com problemas específicos
que exigem soluções especiais.
Outro fator a ser considerado é a enorme variedade de pessoas abrangidas
por esta ampla definição. Há relativamente poucas pessoas que são
totalmente cegas e completamente surdas e, destas, a minoria é surda-cega
congênita. Entretanto, encontraremos nesse universo pessoas cegas que
perderam a audição após a aquisição da fala, outras, surdas congênitas,
que perderam a visão após aprenderem a língua de sinais e a leitura
labial, outras ainda, que perderam a audição e a visão após dominarem a
linguagem oral; destas algumas possuem resíduo auditivo ou visual.
O conhecimento de todos esses antecedentes, além do estágio da perda, é de
fundamental importância para a definição das prioridades do programa que
deverá ser criado especificamente para cada indivíduo.
Centros, Serviços e Programas para o Surdo-Cego
O dia mais importante de toda a minha vida foi o da chegada de minha
professora Annie Sullivan.(1) (Helen Keller)
O acelerado desenvolvimento da Ciência e os progressos da Medicina que
tanto vêm contribuindo para reduzir a mortalidade infantil e prolongar a
vida através do controle de inúmeras doenças fatais, ironicamente têm
propiciado o aparecimento de deficiências múltiplas. Em decorrência,
principalmente, da Rubéola Congênita (2), da Meningite e da Síndrome de
Usher (3) a incidência da surdez-cegueira, em todo o mundo é maior do que
se supõe. Nos Estados Unidos, na década de 1960, uma epidemia de Rubéola
afetou, aproximadamente, 50.000 mulheres. Na ocasião, o Centro de Controle
de Doenças, em Atlanta, previu que umas 2.500 crianças nasceriam
surdas-cegas.
O impacto causado por essa previsão, levou as autoridades a se mobilizarem
para a criação de Centros especializados para o atendimento a essas
crianças. Em janeiro de 1968, foi assinada, pelo então Presidente Johnson,
uma Lei determinando o estabelecimento de Centros e Serviços para todas as
crianças surdas-cegas nos Estados Unidos. Hoje em dia, nos quatro cantos
do mundo, vêm sendo desenvolvidos programas de atendimento ao surdo-cego e
de apoio a seus familiares:
* Na Espanha, a "Unidad Educativa para Niños Sordociegos" da ONCE;
* Em Portugal, o "Instituto Jacob R. Pereira";
* Na França, o "Centre d'Éducation Spécialisée pour Sourds-Aveugles";
* Na Itália, a "Lega del Filo d'Oro";
* Na Dinamarca, o "Nordic Staff Training Center for the Deaf-Blind
Services";
* Na Rússia, o Lar "Zagorsk" para a Criança Surda-Cega;
* Na Alemanha, o "Deutsches Taubblindenwerk";
* Na Inglaterra, a "Carnbooth School";
* Na Finlândia, a Associação Finlandesa de Surdocegos;
* Nos Estados Unidos, o "Helen Keller National Center for Deaf-Blind
Youths and Adults";
* No Brasil, a "Fundação Municipal Anne Sullivan", a "Associação para
Deficientes da Audio-Visão - ADeFAV, ambas em São Paulo e, mais
recentemente, o Instituto Benjamin Constant através do "Programa Piloto de
Atendimento ao Deficiente Auditivo Visual", são algumas das organizações
que têm propiciado ao surdo-cego diferentes oportunidades para reverter o
processo de exclusão social a que está submetido.
A realização de Conferências, Simpósios, Seminários e principalmente os
Encontros de Surdos-Cegos têm sido, igualmente, de grande valia, pois além
de possibilitarem o conhecimento de avançados aparatos tecnológicos para
uma vida mais independente e a divulgação de novos métodos e técnicas
educacionais, propiciam ainda a oportunidade de "encarar a vida com uma
nova filosofia, uma nova atitude" - como atestam os depoimentos de dois
surdos-cegos participantes da "III Conferencia y Convivência Nacional de
Personas Sordociegas" realizada em junho de 1995, em Madrid:
"As Conferências e Encontros a que compareci me mostraram o que nós,
surdos-cegos, somos capazes de fazer com um pouco de ajuda das pessoas que
vêem e ouvem bem." (Charo Sanz Sanz)
"Quando perdemos a visão e a audição supúnhamos, então, sermos os únicos
com tal deficiência sensorial. Antes, a surdez-cegueira era um problema
"invisível", uma deficiência totalmente ou quase totalmente desconhecida
para a sociedade em geral, inclusive para nós mesmos." (Daniel Álvarez
Reyes)
O atendimento ao surdo-cego no Instituto Benjamin Constant
Não é a cegueira, mas a atitude das pessoas que vêem, face às pessoas
cegas que constitui a mais difícil carga a suportar. (Helen Keller)
Iniciado em 1993, o "Programa Piloto de Atendimento ao Deficiente
Auditivo-Visual"- DAV tem como objetivo possibilitar o desenvolvimento
máximo do potencial do surdo-cego, promovendo a realização de atividades
que venham ao encontro de suas necessidades individuais, favorecendo,
assim, sua auto-realização.
Este Programa, tendo em vista o limitado número de profissionais
especializados para o atendimento ao bebê e à criança surda-cega,
destina-se prioritariamente a jovens e adultos surdos-cegos
pós-linguísticos.
As atividades, a freqüência e a dinâmica dos atendimentos são definidos
após avaliação inicial, quando são levados em consideração todos os
fatores intervenientes. Os programas, individuais, são então elaborados
levando-se em conta as necessidades, interesses e condições do indivíduo.
Tais programas incluem propostas de treinamento nas seguintes áreas:
Comunicação - Através de várias técnicas especiais, o surdo-cego pode
restaurar ou adquirir a comunicação tanto expressiva como receptiva.
Assim, respeitando-se as diferenças individuais - espécie, grau e estágio
da perda auditiva e visual - é desenvolvido um trabalho visando incentivar
o reabilitando surdo-cego a usar diferentes possibilidades comunicativas:
linguagem oral, Língua de Sinais (4), alfabeto manual (5), Tadoma (6),
Sistema Braille (7), datilografia comum, etc.
Estimulação Auditiva - Considerando-se o grau de perda auditiva e o tipo
de deficiência, todas as metodologias enfatizam a necessidade de se
estimular, ao máximo, a audição residual. Assim, objetivando desenvolver a
percepção sonora e a utilização funcional da audição, o trabalho de
estimulação auditiva é iniciado após a avaliação do profissional
especializado e sob sua orientação.
Estimulação Visual - Considerando que a eficiência visual depende do uso
máximo da visão residual, faz-se necessário um plano de estimulação visual
para o surdo-cego com algum resíduo de visão. A avaliação oftalmológica
fornece os primeiros dados para o desenvolvimento do trabalho. Com base
nessa avaliação são escolhidos, dentre os recursos e equipamentos
disponíveis, aqueles auxílios que melhor atendam suas necessidades
individuais.
Treinamento da Fala - As atividades específicas são desenvolvidas sob a
orientação direta do fonoaudiólogo.
Orientação e Mobilidade - Implica no uso sistemático e racional dos
movimentos e sentidos remanescentes para permitir uma locomoção adequada,
maior segurança e o máximo de independência que lhe for possível. Para
tal, são desenvolvidas atividades nos espaços interno e externo da
Instituição e em outros locais, considerando-se as necessidades de cada
indivíduo, com o auxílio da bengala e do guia vidente.
Atividades da Vida Diária - As atividades nesta área possibilitam o
desenvolvimento de uma série de habilidades físicas, mentais, e sociais
que serão úteis no dia-a-dia e permitirão ao indivíduo atuar com o máximo
de independência possível. Entre as atividades sugeridas, são realizadas
aquelas que incluem: higiene e aparência pessoal, limpeza e arrumação da
casa, preparação de alimentos, horticultura, jardinagem, etc.
Entrevistas de Orientação e Ajuda aos Pais - O trabalho com os pais tem
como objetivo apoiá-los, orientá-los e esclarecê-los, tendo em vista que
parte do sucesso de qualquer trabalho de reabilitação deve-se à
participação efetiva da família.
Ocupação Profissional - Considerados os interesses e habilidades
individuais são desenvolvidas atividades profissionalizantes, tendo em
vista a aquisição de hábitos de trabalho e a auto-realização do
reabilitando surdo-cego.
Reuniões de Recreação e Lazer - São realizadas reuniões periódicas, dentro
e fora do espaço institucional, propiciando, assim, oportunidades para a
troca de experiências e a possibilidade de convivência com outras pessoas
portadoras da mesma deficiência e com as mesmas necessidades.
Atividades Físicas e Desportivas - É incontestável a validade dos
exercícios físicos e das práticas desportivas como meios de recuperação,
melhoria, manutenção das capacidades funcionais e integração social.
Respeitando-se, sempre, as preferências individuais, são incluídas no
programa atividades físicas e desportivas, de fundamental importância na
reabilitação do surdo-cego.
Atividades Criativas - "O papel das atividades artísticas, na Educação
Especial, não é formar artistas nem cientistas." (Lowenfeld) . Tais
atividades, são inseridas no programa porque, além de contribuírem para
aliviar tensões, têm como finalidade promover o desenvolvimento de
técnicas artesanais que, quando utilizadas dentro das limitações de cada
um, favorecem a auto-confiança e a iniciativa.
O atendimento ao surdo-cego no IBC é de caráter pedagógico e
individualizado, respeitando-se as características de cada um. O professor
responsável acompanha o aluno nas diferentes etapas do processo para a
efetivação da matrícula, nas avaliações médicas, bem como em todas as
atividades interdisciplinares constantes do seu programa. Periodicamente
são realizadas avaliações que possibilitam, além do acompanhamento da
evolução do reabilitando, a introdução no programa das alterações
necessárias para desenvolver ao máximo suas habilidades e aptidões.
De Laura Bridgman aos dias de hoje
"É maravilhoso ter ouvidos e olhos na alma. Isto completa a alegria de
viver." Helen Keller
Laura Bridgmam, nascida em 1829, é conhecida como a primeira surda-cega
educada com sucesso. Surda-cega desde os 2 anos entrou no Instituto
Perkins, em 1837, onde foi educada pelo Dr. Samuel Gridley Howe.
Desde então, a resumida literatura sobre o desenvolvimento da pessoa
surda-cega vem demonstrando que quando esses indivíduos têm a oportunidade
de receber a devida atenção em algum Centro ou Serviço onde são oferecidos
programas de atendimento especializado, é possível encontrar, nessa
comunidade, pessoas realizadas e participantes, em diferentes países.
BERTHA GALERON DE CALONNE (1859/1934) - Nascida em Paris, quando tinha 6
anos de idade perdeu a visão, provavelmente, devido ao descolamento de
retina, em ambos os olhos, provocado por uma pancada na cabeça ao rolar a
escada de sua residência. Aos 30 anos perdeu a audição.
Terminou o curso básico e aprendeu o Sistema Braille com as freiras do
Convento de São Paulo, na sua cidade natal. Por essa ocasião, seu pai foi
nomeado professor de literatura no Liceu de Rennes (região da Bretanha)
onde Bertha iniciou seus estudos de Filosofia. Voltando a Paris, no
entanto, não quis continuar o Curso pois, como seu pai, sentia uma forte
atração pela Literatura, mais precisamente pela poesia.
Após a morte prematura de seu primeiro filho, dedicou-se inteiramente à
literatura escrevendo versos e peças teatrais, algumas encenadas com
sucesso.
Em 1887, envia parte dos originais de sua antologia poética "Dans ma nuit"
a Stephan Mallarme para que os avaliasse. Mallarme, numa longa carta, tece
elogios à obra e acrescenta: "Sua poesia é pura e eterna."
Em 1889, estava em Bucareste, acompanhando seu marido que para lá fora
transferido, quando, sem que os médicos soubessem explicar a causa,
acordou, uma manhã, completamente surda de um ouvido e quase surda do
outro. Um ano depois estava totalmente surda. Ainda assim, continuou
escrevendo com a mesma inspiração, serenidade e ternura as poesias que
enriqueceram as sucessivas edições de sua antologia poética.
RAGNHILD KAATA (1873/1947) - Nasceu em Vester Slidre - Noruega, em 14 de
maio de 1873. Aos 4 anos de idade, foi acometida por uma grave
enfermidade, que os médicos não puderam diagnosticar, em conseqüência da
qual perdeu a visão, a audição, o olfato e o paladar.
Aos 14 anos foi admitida, como aluna interna, no Instituto para Surdos de
Hamar - Noruega - cujo Diretor, Elías Hofgard, assumiu a tarefa de
educá-la. Após alguns meses de perseverantes e infatigáveis esforços,
Ragnhild começou a pronunciar algumas palavras.
Em vista desse sucesso foi iniciada no aprendizado do Sistema Braille e,
assim, chegou a ter amplos conhecimentos de Geografia, Gramática e
Aritmética.
Entretanto, desenvolver atividades de trabalhos manuais era o que mais
gostava. Sua extrema habilidade em tecer qualquer tipo de trama, fazer
meias e os mais variados artigos de malha, lhe permitiu ganhar seu próprio
sustento quando saiu do Instituto de Hamar, aos 22 anos.
Em 1889, Mrs. Landson, professora da Perkins School, visitou o Instituto
para cegos de Hamar e, encantada com a clareza com que Ragnhild Kaata se
expressava, graças aos m é t o d o s empregados pelo professor Hofgard, ao
retornar aos Estados Unidos fez inúmeras conferências, defendendo o
emprego daquela metodologia na educação do surdo-cego americano.
HELEN KELLER (1880/1968) - É, sem dúvida, a mais conhecida e um dos mais
extraordinários exemplos de coragem e força de vontade. Com a inestimável
ajuda de sua incansável professora Anne Sullivan, mostrou ao mundo as
imensas possibilidades do ser humano. Helen Keller nasceu no Alabama -
Estados Unidos. Perdeu a visão e a audição quando tinha 1 ano e meio de
idade, em conseqüência, provavelmente, da Escarlatina.
Anne Sullivan, indicada por Alexandre Grahan Bell - amigo da família -
para educar a pequena Helen, iniciou seu trabalho tentando estabelecer a
comunicação com a criança ao relacionar os objetos às palavras através da
soletração do alfabeto manual. Helen, que nessa ocasião não havia
completado ainda os 7 anos, aprendeu, assim, a soletrar, com o uso das
mãos, várias palavras, embora nenhum indício levasse a crer que a criança
tivesse consciência do significado das mesmas. Foi quando Anne Sullivan
colocou as mãos de Helen Keller sob a água que era bombeada do poço e
soletrou a palavra "água", com o alfabeto manual, que os sinais atingiram
sua mente com um significado claro. Ao fim daquele dia, Helen já
estabelecera a relação de 3 dezenas de palavras com os objetos do mundo ao
seu redor. Logo ela aprendeu os alfabetos braille e manual e, aos 10 anos,
iniciou a aprendizagem da fala.
A partir de então, com a ajuda de A n n e S u l l i v a n, n ã o m a i s
parou s u a e s c a l a d a em busca de novos conhecimentos. Assim, aos 24
anos recebeu seu diploma de Filosofia na Universidade Radcliffe e,
continuando sua trajetória, fez jus, ao longo de sua vida, a inúmeros
títulos, homenagens e diplomas honorários em reconhecimento por seu
trabalho em prol do bem estar das pessoas cegas e surdas-cegas e,
sobretudo, pelo exemplo vivo das imensas e ricas possibilidades do
potencial humano.
Entre 1946 e 1957, Helen Keller visitou 35 países, inclusive o Brasil,
onde esteve em diversas entidades públicas e particulares, realizou
palestras, participou de conferências e mesas-redondas, foi entrevistada e
recebeu homenagens. Por essa ocasião, em maio de 1953, quando de sua
visita ao Rio de Janeiro, esteve no Instituto Benjamin Constant onde
recebeu carinhosas homenagens de alunos e funcionários.
No dia de sua morte, o Senador Lister Hill, do Alabama, assim se
expressou:
"Seu espírito perdurará enquanto o homem puder ler e histórias puderem ser
contadas sobre a mulher que mostrou ao mundo que não existem limitações
para a coragem e a fé".
EUGENIO MALOSSI (1885/1930) - Nascido em Avellino - Itália, perdeu a visão
e a audição quando, aos 2 anos de idade, contraiu Meningite.
Em 1895, teve início sua educação graças à dedicação do professor
Francisco Artusio do, então recém fundado "Instituto Domenico Masturcelli".
Ainda adolescente produzia, em seu bem equipado ateliê, os mais variados
trabalhos de artesanato e, deixando aflorar sua vocação pela mecânica,
consertava qualquer máquina que apresentasse algum problema.
Porém sua sede de saber não se limitava ao artesanato e à mecânica. Assim,
com a ajuda de uma amiga, chegou a aprender vários idiomas, o que lhe
possibilitou ler, no Sistema Braille, obras de mecânica de diversos
autores estrangeiros.
Aos 40 anos, foi nomeado professor de mecânica do "Instituto Paolo
Colosimo", em Nápoles, onde, com sua personalidade enérgica e firme,
desenvolveu um trabalho preciso e profícuo.
Em uma de suas viagens, ao visitar uma fábrica, em Berlim, exclamou
observando a avançada tecnologia da maquinária: "Cada dia estou mais
agradecido a Deus por me ter dado a vida."
OLGA IVANOVNA SKOROJODOVA (1914/1987) - Nasceu numa aldeia ao Sul da
Ucrânia. Aos 5 anos de idade teve Meningite e, como seqüela da doença,
ficou surda, cega e paralítica. Com grande esforço conseguiu voltar a
andar com a ajuda de uma muleta que, às vezes, usava como bengala.
Dotada de férrea força de vontade e ardente desejo de aprender, aos 11
anos de idade, começou a ser educada pelo professor Ivan Sokolyanski,
chegando mais tarde a doutorar-se em Psicologia e Ciências Pedagógicas.
Trabalhou no Instituto de Defectologia da Academia de Ciências Pedagógicas
da URSS e no Colégio Zagorsk.
Olga gostava de corresponder-se com pessoas cultas, tendo conservado
algumas cartas que lhe escreveram várias personalidades. Dentre estas
destaca-se uma datada de 3/1/1933, e assinada pelo conhecido escritor
Gorki:
"Querida Olga, sua vida é simplesmente um milagre; um desses maravilhosos
vetores de luz tanto do nosso trabalho como de todo espírito elevado."
Ao longo dos seus 73 anos de vida, publicou várias obras, muitas delas
traduzidas para diversas línguas. Num de seus livros "Como percebo e
imagino o mundo que me cerca", descreve suas impressões da natureza e da
vida cotidiana:
" Sinto que uma vida intensa se desenvolve ao meu redor e anseio
participar dela como todos os seres humanos."
CESAR TORRES CORONEL (1917/1985) - Nascido em Madrid, tinha 22 meses de
vida quando perdeu a visão e a audição em conseqüência da Varíola. Ao
completar 7 anos teve início sua educação no "Colegio Nacional de
Sordomudos y Ciegos", na mesma Madrid, sob a orientação da excepcional
pedagoga Rafaela Rodrigues Placer, que durante 13 anos se dedicou
inteiramente à educação do rapaz. Assim, Cesar obteve o título de Bacharel
no "Instituto Cardenal Cisneros", graças a uma férrea força de vontade e
ao incentivo e orientação de sua mestra.
Ao terminar a Guerra Civil Espanhola foi nomeado bibliotecário do "Colegio
Nacional de Ciegos". Sua função consistia em atender os leitores,
organizar os fichários e catalogar as obras. Mais tarde, fazendo jus a uma
melhor remuneração, passou a pertencer aos quadros da "Imprenta Nacional
Braille" onde atuava como revisor, encadernador e responsável pelo
controle do papel usado na impressão dos livros.
Fiel cumpridor de suas obrigações, respeitado e querido tanto pelos seus
superiores como por seus colegas de trabalho, viveu dignamente até o fim
de sua vida unicamente de seu salário.
DR. ROBERT J. SMITHDAS (1925) - Nasceu na Pensylvania, Estados Unidos, no
dia 7 de junho. Ficou cego e mais tarde totalmente surdo, em conseqüência
da Meningite, quando tinha 4 anos e meio de idade. Aos 25 anos recebeu seu
diploma de Bacharel em Artes da Universidade de St. John. Foi agraciado,
ainda, com os graus honorários: Doutor em Letras do Gaullaudet College e
Doutor em Humanidades pela Western Michigan University.
Trabalhou no Setor de Relações Comunitárias do Lar Industrial para Cegos
e, em 1977, foi Diretor de Educação Comunitária do Centro Nacional Helen
Keller, demonstrando com sua atuação profissional que a surdez-cegueira
não é impedimento para metas educacionais.
"É importante que o surdo-cego conheça tanto suas limitações como seu
potencial; mas é de igual importância que as pessoas com quem ele convive
também as conheça."
Robert Smithdas
LEONARD C. DOWDY (1927) - Nasceu no Missoure - Estados Unidos. Perdeu a
visão e a audição quando tinha 1 ano e meio de idade. Estudou na "Perkins
School" onde aprendeu Matemática, Geografia, História e toda espécie de
trabalhos manuais em madeira e metal.
Trabalhou na Companhia Peterson de Manufatura onde desenvolveu atividades
nas linhas de montagem das bombas para pneus e de faróis dentre outras.
Casado com Beth K. Dowdy, também surda-cega, construiu no terreno de sua
casa, com a ajuda de um amigo, a sua própria oficina de carpintaria onde
costuma por em prática o seu hobby: trabalhar com madeira. Quando, em
1977, participou, em São Paulo, do "I Seminário Brasileiro de Educação de
Deficiente Audiovisual" relatou em sua palestra:
"Depois de morar em um apartamento por 5 anos, após o nosso casamento,
compramos a nossa casa. Sendo donos de uma casa nós podemos ter
experiências muito duras, mas nós gostamos mais do que viver num
apartamento onde nada acontece de especial."
VALISE AMADESCU (1944) -
Nasceu na Romênia, no dia 4 se setembro. Perdeu a visão e a audição em
conseqüência da Meningite, quando tinha 2 anos e meio de idade. Aos 11
anos iniciou sua educação numa escola especial para cegos, em Cluj,
Romênia, onde, com sua enérgica professora Miss Florica Sandu, aprendeu a
falar e adquiriu os conhecimentos básicos.
Mais tarde, com a ajuda de outros professores, alargou seus conhecimentos
estudando História, Literatura, Geografia, Matemática e Física. Formou-se
em Psicopedagogia na Universidade de Cluj. Logo a seguir empregou-se como
professor na Escola Especial para Cegos, na mesma cidade, onde exerce a
função com a ajuda de sua professora Georgeta Damian.
"Eu estou convencido que o caminho que eu escolhi, embora bastante
difícil, pode ser trilhado com sucesso por qualquer pessoa deficiente."
Valise Amadescu
Poderíamos citar muitos outros exemplos de pessoas surdas-cegas que
lograram o desenvolvimento m á x i m o de suas potencialidades. No
entanto, estes poucos relatos são a prova incontestável da validade dos
programas de Educação Especial nessa área onde oportunidades, atenção e
respeito são dispensados a essas pessoas da mesma forma que, a todo ser
social, nos diferentes programas educacionais.
DECÁLOGO DO SURDO-CEGO
D e c l a r a ç ã o aprovada na IV Conferência Mundial Helen Keller,
realizada em Estocolmo, em setembro de 1989.
1- Todo país deve realizar o senso de sua população surdo-cega.
2- A surdez-cegueira é uma deficiência única e não a simples soma das duas
deficiências surdez e cegueira, assim requer serviços especializados.
3- É imprescindível a formação de profissionais altamente especializados
em todos os países. Quando, em algum país, não for possível formar esses
especialistas, deverá ser solicitada a ajuda de outras nações.
4- A comunicação é a maior barreira para o desenvolvimento pessoal e a
educação do surdo-cego, por este motivo o ensino de métodos de comunicação
eficazes deverá ser priorizado.
5- Todo país deverá oferecer oportunidades para a educação do surdo-cego.
6- O surdo-cego pode ser alguém produtivo. Assim, devem ser criados
programas de integração profissional.
7- Deverá ser dada atenção à formação de intérpretes, profissionais
imprescindíveis para a independência do surdo-cego.
8- Devem ser criados sistemas residenciais alternativos, independentes,
para o surdo-cego, que atendam suas necessidades e aptidões.
9- A sociedade tem obrigação de permitir ao surdo-cego a participação em
atividades de lazer e recreação, em interação com a comunidade.
10- É essencial que a sociedade tome conhecimento das possibilidades e
necessidades do surdo-cego para que possa exigir o apoio governamental e
comunitário na criação de Serviços.
"Deficientes ou não deficientes, somos todos seres humanos, vivendo no
mesmo planeta e partilhando do mesmo destino. O que a vida exige de nós,
senão dar o melhor de nós mesmos, para nós e para os outros?"
Richard Kinney(8)
NOTAS EXPLICATIVAS:
(1) Annie - Como Anne Sullivan era chamada por seus amigos e familiares.
(2) Rubéola Congênita - A síndrome da Rubéola Congênita é uma infecção
causada por vírus, transmitida ao feto por via transplacentária. As lesões
são simultâneas ou isoladas. Quando essa febre eruptiva ocorre nos dois
primeiros meses da gestação, o recém-nascido poderá vir a apresentar
vícios de conformação representados por surdez neurosensorial e diferentes
alterações oculares, dentre outros.
(3) Síndrome de Usher - Problema congênito. Dentre as manifestações
clínicas desta síndrome destacam-se a surdez, que se manifesta logo no
início da vida e a perda visual que ocorre, geralmente, mais tarde.
(4) Língua de Sinais - Método criado no século XVIII pelo abade Michel de
L'Epée, o primeiro a considerar a linguagem gestual como a língua natural
dos surdos. Consiste numa forma de comunicação visomotora, construída no
espaço através de movimentos das mãos em diferentes configurações e pontos
de contato no corpo.
(5) Alfabeto manual - A invenção do alfabeto manual ou alfabeto
datilológico é atribuída a alguns monges da Idade Média que fizeram o voto
de silêncio. Estruturado e adotado oficialmente na França, no Século
XVIII, para a educação do surdo, foi mais tarde adaptado para o surdo-cego
por educadores ingleses e americanos. Consiste em fazer, com a mão
direita, um sistema de signos sobre a palma do interlocutor. São variados
os códigos adotados nesse procedimento; a forma mais usual é aquela onde
cada letra é representada pelas diferentes posições dos dedos e da mão.
(6) Tadoma - Método de linguagem receptiva onde a pessoa surda-cega,
através do tato, decodifica a fala do seu interlocutor. Consiste em
colocar a mão no rosto do locutor de tal forma que o polegar toque,
suavemente, seu lábio inferior e os outros dedos pressionem, levemente, as
cordas vocais. Este procedimento possibilita a interpretação da emissão
dos sons através do movimento dos lábios e da vibração das cordas vocais.
(7) Sistema Braille - Sistema de escrita e leitura tátil criado por Louis
Braille, em 1824. Ainda aluno da "Instituition des Jeunes Aveugles", em
Paris, o jovem cego Louis inspirado na "grafia sonora", idealizada pelo
Capitão de Artilharia Carlos Barbier de la Serre, inventou o Sistema,
ainda hoje utilizado, com pequenas modificações, em todo o mundo. Consiste
no arranjo de seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas de três
pontos. As diferentes posições desses seis pontos permitem a representação
de todas as letras do alfabeto, dos sinais de pontuação, dos símbolos da
matemática, da música e outros.
(8) Richard Kinney - Educador, conferencista e poeta. Nasceu em Ohio,
Estados Unidos. Cego desde os 7 anos de idade, perdeu a audição aos 20.
Detentor de inúmeros títulos e prêmios, publicou diversos livros de poesia
e é autor da obra didática: "Independent Living Without Sight and Hearing".
FONTES DE CONSULTA
TELFORD, Charles W. e SAWREY, James M. O Indivíduo Excepcional. 3 ed., Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
MARTÍNEZ, Jesús Montoro. Los Ciegos en la História. Tomo II, Madrid:
Impresa, 1992.Tomo III, Madrid: Impresa, 1993. Tomo IV, Madrid: Impresa,
1995.
BRIQUET, Raul. Patologia da Gestação. São Paulo: Renascença, 1949.
COSTA, Carmen Martini et al. Educação Especial - Perspectivas e Reflexões
(Coletânea de Textos). São Paulo: SE/CENP, 1993.
VASCONCELOS, Maria Ivete Corrêa de. Deficiência Auditiva. Brasília: MEC,
1978.
LEMOS, Edison Ribeiro. Deficiência Visual. Brasília: MEC, 1978.
LOWELL, Edgar L. et al. Pasos para Aprender Um Manual para las Personas
que ..Trabajan con Niños Sordos-Ciegos en Establecimientos Residenciales.
Califórnia, 1977.
CICCONE, Maria Marta Costa et al.Comunicação Total. Rio de Janeiro:
Cultura Médica, 1990.
I Seminário Brasileiro de Educação de Deficiente Audiovisual, promovido
pela ABEDEV e pela Fundação para o Livro do Cego no Brasil, 1977.
Publicação Comemorativa do Centenário de Nascimento de Helen Keller -
1880/1980. São Paulo: Fundação para o Livro do Cego no Brasil, 1980.
Perfiles - Revista de la ONCE n.46. Madrid: A. G. Grupo S.A., 1989.
Tercer Sentido - Revista sobre sordoceguera n.20. Madrid: Caracter, S.A.,
1995.
Deaf-Blind Education, The Journal of the International Association for the
Education of the Deaf-Blind. n.7. London: Intertype, 1991.
(Margarida A. Monteiro, Professora e Coordenadora do Programa de
Atendimento ao Surdo-Cego do Instituto Benjamin Constant - RJ - Publicado
na Revista Benjamin Constant - Número 03 - Maio de 1996) |
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